Quando a Dor no Ombro Não Faz Sentido: Pense em Neurite Braquial

A dor súbita e intensa no ombro, sem histórico de trauma, especialmente quando ocorre em repouso ou acorda o paciente durante o sono, pode indicar algo além das condições típicas. Se os achados no exame físico ou nos exames de imagem não se alinham com diagnósticos comuns, como lesão do manguito rotador ou radiculopatia cervical, é essencial considerar a neurite braquial como um diagnóstico diferencial.


A neurite braquial deve estar sempre no radar quando a apresentação clínica parecer atípica ou quando “as peças não se encaixam”. Reconhecer essa condição a tempo pode fazer toda a diferença no manejo e na recuperação do paciente.


A neurite braquial, também conhecida como Amiotrofia Nevrálgica ou síndrome de Parsonage-Turner, é um distúrbio neurológico incomum. Ela se caracteriza por uma dor súbita, intensa e debilitante no ombro, que pode irradiar para o braço, pescoço e escápula.

Com frequência, essa dor é seguida por fraqueza muscular e atrofia na área afetada.
O diagnóstico é essencialmente clínico, sendo confirmado por estudos eletrodiagnósticos, como a eletroneuromiografia.

Principais Características da Neurite Braquial

Início da Dor:

  • A dor surge abruptamente, muitas vezes durante o sono, e é descrita como insuportável.
  • Pode persistir por semanas e não está associada a nenhum trauma prévio.

Falta de Trauma:

  • Não há histórico de lesão ou causa identificável, o que pode atrasar o diagnóstico.

Sinal de Adução/Flexão:

  • Os pacientes frequentemente mantêm o ombro aduzido e o cotovelo flexionado para aliviar a dor, uma posição característica.

Agravamento com Movimentos do Braço:

  • Apesar de movimentos do pescoço ou manobras como a de Valsalva não agravarem a dor, movimentar o braço geralmente intensifica o desconforto.

Fases da Neurite Braquial

Fase de Dor:

  • Caracterizada por dor súbita, intensa e debilitante no ombro, que pode irradiar para áreas próximas.
  • A dor geralmente persiste por dias a semanas e pode interromper o sono e as atividades diárias.

Fase de Fraqueza:

  • Conforme a dor diminui, torna-se evidente a fraqueza muscular e, em alguns casos, atrofia.
  • Os músculos mais frequentemente afetados incluem:
    • Supraespinhal e Infraespinhal, inervados pelo nervo supraescapular.
    • Deltoide, inervado pelo nervo axilar.

Fase de Recuperação:

  • A função motora melhora gradualmente ao longo do tempo.
  • Cerca de 90% dos pacientes se recuperam em até três anos, mas apenas 35% apresentam recuperação completa no primeiro ano.

Sintomas Sensoriais e Motores na Neurite Braquial

Sintomas Motores:

  • A fraqueza muscular é o principal sintoma e geralmente mais marcante do que os déficits sensoriais.
  • Essa fraqueza pode ser persistente e afeta com frequência os seguintes músculos:
    • Supraespinhal e Infraespinhal: responsáveis pela rotação externa do ombro.
    • Deltóide: essencial para a abdução do ombro.

Sintomas Sensoriais:

  • São variáveis e, em casos clássicos, não há perda sensorial significativa, o que é uma característica diagnóstica.
  • Quando há comprometimento sensorial, o nervo cutâneo lateral do antebraço é o mais comumente afetado.

Imagem e Diagnóstico da Neurite Braquial

Ressonância Magnética (RM):

  • Nos estágios iniciais, pode revelar sinais hiperintensos nos músculos afetados, como o supraespinhal, infraespinhal e deltóide, indicando inflamação ou edema.
  • Em estágios avançados, os achados incluem atrofia muscular e infiltração gordurosa, sinais de danos crônicos.

Eletromiografia (EMG):

  • Fundamental tanto para o diagnóstico quanto para o prognóstico.
  • Nas primeiras quatro semanas, evidencia desnervação aguda, com potenciais de fibrilação e ondas lentas.
  • Alterações crônicas, como potenciais de unidade motora reduzidos e aumento da duração ou amplitude, podem persistir por anos, refletindo o processo de recuperação e regeneração.

Diagnósticos Diferenciais da Neurite Braquial

A neurite braquial, ou síndrome de Parsonage-Turner, apresenta sintomas que podem se sobrepor a diversas condições. Uma avaliação detalhada é essencial para descartar diagnósticos diferenciais e evitar erros clínicos.

Radiculopatia Cervical:

  • Dor e fraqueza confinadas a uma única raiz nervosa, com padrão específico de distribuição dermatomal e miotomal.
  • Geralmente diagnosticada por exames de imagem da coluna cervical.

Patologia do Manguito Rotador:

  • Apresenta dor persistente no ombro, associada ao desenvolvimento de fraqueza.
  • Frequentemente relacionada a trauma ou movimentos repetitivos.

Asa Escapular:

  • Pode ser causada por envolvimento do nervo torácico longo.
  • Também ocorre na neurite braquial, especialmente com envolvimento da raiz nervosa C7.

Capsulite Adesiva (Ombro Congelado):

  • Caracterizada por restrição de movimentos ativos e passivos do ombro.
  • Diferenciada clinicamente, pois a neurite braquial preserva o movimento passivo.

Doença de Lyme ou Outras Infecções Sistêmicas:

  • Suspeita em pacientes com febre, fadiga ou histórico de exposição a carrapatos.
  • Confirmada por testes sorológicos.

Etiologia e Tratamento da Neurite Braquial

Etiologia

A causa exata da neurite braquial ainda não é totalmente compreendida, mas alguns gatilhos possíveis incluem:

  • Infecções virais, como Epstein-Barr e citomegalovírus.
  • Fatores autoimunes, associados a uma resposta imune desregulada.
  • Trauma ou uso excessivo do ombro.
  • Estresse ou imunizações, que podem desencadear uma resposta inflamatória.
  • Genética, com formas hereditárias raras, geralmente seguindo um padrão autossômico dominante.

Tratamento e Prognóstico

Manejo Conservador

  • Controle da dor: Uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e, em alguns casos, corticosteroides orais.
  • Fisioterapia: Importante para manter a mobilidade e fortalecer os músculos do ombro durante a recuperação.
  • Evitar imobilizadores (slings): O uso prolongado pode levar a contraturas ou rigidez articular.

Intervenção Cirúrgica

  • Indicação rara, reservada para casos com ausência de recuperação funcional após 9 a 12 meses de manejo conservador.

Prognóstico

Cronograma de recuperação:

  • Cerca de 90% dos pacientes se recuperam completamente em até três anos.
  • Apenas 35% alcançam recuperação funcional completa no primeiro ano.
  • 66% mostram alguma recuperação motora em um mês após o início dos sintomas.

Recorrência:

  • Rara em casos idiopáticos, mas mais comum nas formas hereditárias da doença.

Um manejo adequado e acompanhamento regular são essenciais para melhorar a qualidade de vida do paciente durante o longo período de recuperação.

DRA. ANA CAROLINA

DRA. ANA CAROLINA

Neurologista e Neurofisiologista
Pós-graduada em Psiquiatria

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